CARTA DE FRIEDRICH SAUERBRONN A ALEMANHA ...

arta dirigida à amigos de Becherbach ...

"... Depois de uma viagem de 18 dias fomos obrigados a voltar ao porto de saída Den Helder - Holanda, pois o mastro médio de nosso navio Argus havia se quebrado. O mastro foi substituído, o que provocou uma espera de 28 dias. Gastamos 12 dias para conseguir entrar no canal, onde outra vez uma tempestade nos obrigou a entrar no porto de Couse, na Inglaterra. Depois de permanecer ali 11 dias, foi recebido novo estabelecimento e a viagem continuou até as Ilhas Canárias; gastamos 54 dias, com ventos desfavoráveis até a Ilha de Tenerife, a maior das Ilhas Canárias.
Um dia antes da chegada em Santa Cruz, a capital de Tenerife, fomos abordados por um pirata africano que tinha 100 homens e 36 canhões a bordo. A meio tiro de espingarda de distância, os homens do navio pirata carregaram seus fuzis excelente; junto a cada canhão estava um homem pronto a abrir fogo. O pirata com voz horrível, mandou que baixássemos nossas velas. Depois ele se dirigiu a bordo, acompanhado por um único companheiro, ambos vestidos com uniforme pitoresco. Ele viu nossos rostos assustados de medo e se convencendo que o nosso navio era um pobre transporte de colonos, mudou seu tom; ofereceu-nos frutas, como: uvas, figos, laranjas, maçãs, como também vinho e aguardente. Após o susto, seguimos viagem com alegria.
Após a nossa chegada a Santa Cruz, soubemos que o mesmo pirata havia capturado um navio mercante um dia antes, em frente aos muros de Santa Cruz.
Ficamos três semanas em Tenerife, onde recebemos mantimentos. De lá até às Ilhas de Cabo Verde, não encontramos mais tempestades, mas sempre ventos contrários. Um dia antes da chegada àquelas ilhas, tive as mais tristes horas de minha vida. Em 17/11/1823 à meia-noite e meia minha esposa para sempre inesquecível, deu à luz a um garoto saudável. Reinou a alegria geral nos camarotes e eu doei 36 garrafas de vinho de Tenerife. Sempre após uma alegria exagerada, aparece a tristeza. Dia 18 à uma hora da tarde a minha querida esposa, já era um cadáver. Ela não conseguiu ver o belo Brasil, do qual sempre falava. Levei meu filho recém-nascido para Nova Friburgo, onde veio a falecer de desinteria, um mês após a chegada.
Voltando à viagem, até a América do Sul, não tivemos mais acontecimentos especiais; os ventos foram fracos. Chegamos ao Porto do Rio de Janeiro após 8 meses de nossa partida da Alemanha.
Chegamos ao destino em 13/01/1824, com mais pessoas a bordo, das que partiram de Becherbach, pois além de 2 mortos, houve 16 nascimentos".
Os colonos chegaram a uma vasta área pertencente ao Imperador, chamada Armação e eu consegui com minha família, uma casa excelente, com livre alimentação, junto a Monsenhor Miranda, Inspetor da Colonização Estrangeira ocupando uma posição de Ministro.
Ficamos três mesese e meio por conta do Imperador e todos em "Dulce" júbilo. O Imperador e a Imperatriz nos visitaram várias vezes; eram muito condescendentes e conversavam com cada criança.
Dia 25 de abril, fomos transportados por conta ainda do Imperador para Nova Friburgo, 40 horas distante do Rio de Janeiro. O lugar tem o tamanho aproximado de Glanddernheim e consta de prédios pertencentes ao Imperador, prédios de um andar com telhados muito bons, quatro quartos cada um.
O piso não é como na Alemanha, em tábuas, mas de palhinha, o que tem muito aqui, ou de terra batida, como é na Alemanha o piso dos celeiros. Cada família ganhou uma casa e por ano e meio, diariamente um franco ou meio potac por cabeça, o que é suficiente. Durante este ano e meio, cada família é obrigada a cultivar uma parte das terras e lá construir uma casa, Isto torna possível, dentro de 3 meses que novos colonos, encontrem moradia. Nova Friburgo portanto é a colônia-mãe de onde os colonos europeus são distribuídos para outras terras.
Os meus correligionários viajam 40 horas, para ver e ouvir o seu SALVADOR, como eles me chamam. Eu já batizei crianças com um ano e meio e várias com 20 meses de idade; com isto eu tenho muito trabalho, e, as vezes, não consigo descer do cavalo durante 3 ou 4 dias.
Os meus filhos estão com boa saúde e os garotos freqüentam a escola do Imperador, com um professor suíço, que foi formado na Suíça, para ensinar os cursos primário e secundário. Eles têm progredido muito nas línguas portuguesa e francesa. Nunca na Alemanha eles aprenderiam em tão pouco tempo. Minha filha Charlotte, manda "mil abraços"; vocês não a reconheceriam mais. Ela cresceu, tornou-se uma donzela e já tem admiradores, mas para alegria do pai, continua respeitada. Ela herdou todas as virtudes da mãe". No verão é muito quente, mas o calor é suportável pois dura somente 12 horas por dia, as noites são mais frescas que na Europa. O inverno em Nova Friburgo não é fresco mas frio, tão frio, tão frio que vi nas partes da manhã, até às 10 horas uma crosta de gelo na água e não me arrependi de ter trazido da Alemanha uma coberta de penas.
Vejo aqui ao lado do cafezeiro, o que pode parecer impossível, mas é a pura verdade. Pés de maçã ao lado de um limoeiro; uma cerejeira ao lado de batatas; deliciosos abacaxis e bananas ao lado de laranjeiras e videiras. Todos os legumes da Europa podem ser encontrados aqui. Temos ainda os produtos que os suíços cultivavam; o milho cresce bem e alimenta homens e animais; batatas de todos os tipos, beterrabas amarelas e brancas. Vê-se aqui o melhor trigo alemão, mas bem mais perfeito. Aveia e cevada não são cultivadas, pela preguiça dos suíços.
Cavalos, mulas, vacas, bois, suínos, ovelhas, patos, gansos, galinhas, perus e pombos se encontram de muito boa qualidade; todos são alimentados com milho.
O gado se encontra todo o ano nos pastos e retorna normalmente duas vezes por dia à casa do dono para ganhar mãos de milho.
A carne de boi é tão boa como na Alemanha, mas a carne de porco é bem melhor e mais vigorosa; a de carneiro é pouco consumida pois é tida como pouco saudável; a carne das aves é muito melhor do que na Alemanha. Caça existe aqui de várias espécies, mas muito menos do que na Alemanha, pois os animais selvagens se retiram das regiões cultivadas para o mato, onde não podem ser seguidos.
Animais ferozes, perigosos para o homem, não existem e as cobras que causavam o maior medo à nossa chegada, são muito raras. Eu vi até aqui agora, somente duas; e elas estão fugindo dos homens. Só mordem, se são pisadas, mas existem remédios infalíveis.
A videira se desenvolve bem aqui na colônia, mas os suíços somente a cultivam em pomar. Todo o vinho consumido aqui provém da França e de Portugal; a cerveja é importada da Inglaterra. Até agora, ninguém tentou fazer cerveja aqui. Ela é mais cara que o vinho, mas é muito consumida na capital.
A cerveja principal de todos os brasileiros é a cachaça a qual é destilada de cana e laranja e é muito barata. A garrafa vale 12 kronen. Esta bebida deve ser apropriada para este clima.
Cada brasileiro tem normalmente algumas mulas e cavalos. Por falta de estradas, tudo tem que ser transportado nas costas. Somente perto das cidades existem vias transitáveis. Todo o resto são picadas ou atalhos, que passam muitas vezes em cima de pedras grandes, mas facilmente vencidas pelas mulas e cavalos.
Se os brasileiros têm de andar somente uma distância de 200 pés, montam a cavalo e andam galopando. As mulheres de todas as classes também montam a cavalo como os homens e vocês iriam ficar admirados, vendo a minha Charlotte montar os meus dois garanhões.
Não nos falta nada, somente mãos para trabalhar. Por isso quanto maior a família, mais rica ela será".

Frederico Sauerbronn.

Fonte da informação: Livro "A Imigração Alemã Para Nova Friburgo".
Coletânea de Documentos – doação Rotary Club de Nova Friburgo para o Departamento de Cultura – CDH – Pró-Memória.

Pastor Friedrich Sauerbronn
Pensamento ...
"Se n�s n�o sabemos para onde vamos, devemos pelo menos tentar entender de onde viemos para adivinhar em que situa��o estamos." (Jules Romains)
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